Nossa História

                                                                               

Ricardo Penafiel Malta (criador da marca e produtos) conta como surgiu a Companhia da Terra, em entrevista para a revista “Olfato”, de Sérgio Oliver.

 

1 – Desde quando o perfume faz parte da sua vida?

Em 1975, estive em Londres, onde conheci o trabalho de Jeanne Rose, uma das precursoras da aromaterapia, que também ensinava como fazer cosméticos naturais em casa. As fórmulas, que chamava de receitas, eram a base de ervas e ingredientes vegetais frescos. Quando ela descreveu uma fragrância para colônia tipicamente inglesa, à partir de flores e sementes que não são nativas do Brasil, pensei em desenvolver uma fragrância genuinamente brasileira, que não fosse cópia, nem inspirada em nenhum perfume estrangeiro.

 

2 – Como surgiu a Companhia da Terra?

Em 1976, a alimentação natural já era bem difundida no Brasil, mas em lojas de produtos naturais tudo o que se encontrava de perfumaria eram o óleo de patchouli e henna em pó para tingir os cabelos, ambos importados da Índia que na década de 70 estava no auge da moda. Comecei a pesquisar óleos essenciais brasileiros e vi que muitos deles eram exportados e entravam na composição de diversos perfumes estrangeiros, alguns famosos como o Chanel Nº 5 cuja base é o óleo de pau rosa da Amazônia. Criei algumas composições, mas a primeira delas foi para um perfume masculino, que fiz para mim mesmo, e chamei de Águas de Verão em homenagem a uma música do Tom Jobim (Águas de Março), gravada por Elis Regina, ambos amigos de meus pais.

 

3 – Como funciona o seu processo de criação?

Creio que criação, no meu caso, seja uma tradução de todas as referências acumuladas pela vida. Na simples escolha de um tipo de letra, de uma cor de fundo, de uma estampa ou do nome de um produto, essas lembranças se revelam e tomam formas próprias.

 

4 – Você também é o perfumista da marca?

Todas as fragrâncias são de minha escolha, afinal, o produto é o conteúdo em si, não a embalagem. Uma pessoa pode até comprar um produto por beleza, pela primeira vez, mas se não gostar do conteúdo, nunca mais o comprará. É produto que deve exprimir a qualidade e a eficiência que se deseja alcançar, e não a sua embalagem.

 

5 – Você participa de todo o processo de criação, desde a fragrância, frasco e cartucho?

A criação é o que difere o criador do copiador. Um quadro é de um pintor, um livro de um escritor, um perfume deve ser a criação de um perfumista, não de um oportunista. A autenticidade de um produto é a marca registrada de cada profissional em nosso ramo. Mesmo os perfumes feitos a base de apenas um óleo essencial, sem essências artificiais, são escolhas do perfumista que os propõem. E ele deve ter a visão completa desde o seu conteúdo até a forma final de apresentá-lo, ou não será um verdadeiro perfumista, mas apenas um vendedor de produtos sem personalidade.

 

6 – Você acha que ainda existe muito preconceito com relação aos perfumes nacionais?

A perfumaria francesa, principalmente, ainda é um sinônimo de qualidade. Mesmo perfumes italianos famosos são fabricados na França. Mas a maioria dos óleos essenciais usados lá vêm de outros países, inclusive do Brasil. Fora isso, as grandes perfumarias investem pesado em embalagens, tampas e frascos especiais que representam mais da metade do preço final de seus produtos. E esse luxo cativa as pessoas que sonham em ter um pouco de seu glamour aprisionado dentro de um frasco de vidro. Pingam duas gotas de Dior e já se sentem fazendo parte daquele universo sofisticado. Mas quem quer ir para o trabalho ou para um supermercado, com uma fragrância tão forte e marcante? É nesse segmento, o de uso diário, que atua a maioria das perfumarias nacionais, que fazem perfumes para serem usados todos os dias, todas as horas, seja depois do banho, pela manhã ou à noite. Geralmente, são os mesmos consumidores que compram essas duas opções. Por isso, nos concentramos em fragrâncias de plantas comuns, mas que são puras e agradáveis. O luxo que propomos está na beleza da simplicidade.

 

7 – Qual o perfume que você usa?

Uso todos, gosto de provar e experimentar todos eles. São como filhos e filhas, cada um tem seu encanto próprio, sua alma, traduzem um momento, uma sensação, um sentimento diferentes.

 

8 – Qual foi o primeiro perfume lançado pela sua marca?

Foi o Águas de Verão, versão masculina, que é um perfume 100% nacional não teve inspiração em perfumes estrangeiros. Nenhum outro se parece com ele. Agradou desde o primeiro frasco, foi uma grata surpresa num país que sempre prezou muito tudo o que vem de fora. Atualmente, é o perfume masculino há mais tempo fabricado no Brasil, nenhum ficou tantos anos em produção ininterrupta. E isso foi muito significativo para todos nós, uma espécie de valorização do que é nosso, genuinamente brasileiro. Nos alegra e orgulha sabermos que o nosso perfume mais vendido não leva qualquer ingrediente importado em sua composição.

 

9 - Quais são seus projetos atuais?

Mesmo com tantos anos de existência, a Companhia da Terra continua a ser um pequeno atelier de perfumes, sediado em Petrópolis, que vem resistindo a concorrência pesada das grandes indústrias nacionais e multinacionais. Todos os dias, milhares de pessoas entram em lojas e perfumarias, onde há perfumes do mundo todo, e escolhem um de nossos produtos. Continuar a existir, e a resistir, já é uma singela façanha para uma pequena empresa, num mercado tão concorrido e globalizado. Desde 1976, quantas indústrias poderosas vieram e já se foram... e nós continuamos aqui, pequenos, mas firmes. Só esperamos não perder o dom de encantar e surpreender com o que criamos e produzimos, há tantos anos, com tanto prazer e emoção.

 

Ricardo Penafiel Malta é carioca, designer e perfumista, fundador da Companhia da Terra, em 1976.

 

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